terça-feira, 3 de novembro de 2009

Evanescências

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10:52

Foi perfeito; - disse ela. A afirmação saiu-lhe espontâneamente como o corolário do prazer que se acabava de viver.Um breve sorriso aflorou o rosto dele como sinal de orgulho pela cumplicidade na construção desse prazer. Sentia que era parte desses momentos dessas horas, desses dias. Sentia-se em "estado de graça" depois da dádiva que representava para ele aquela afirmação por ela proferida, no mesmo instante em que a "ideia de perfeição" o atravessava com a velocidade e a intensidade de um cometa
Perfeito!!!... Pensou; enquanto que pela pequena janela olhava para o horizonte onde se abriam clareiras nas nuvens pela fuga dos mais atrevidos raios de Sol;
perfeito, seria poder cristalizar aquele tempo e aquele espaço, fundir os corpos e geminar as almas prolongando este prazer de estar , até que a vida .../... Acordou desta letargia quando ela proferiu o "passe mágico" para o real: -um tostão pelos teus pensamentos-. De imediato o "real" entrou pela pequena vigia do apartamento e preencheu-lhe os sentidos : o moinho  de vento rolava agora com mais força, as copas das àrvores agitavam-se docemente embaladas pelo ar aquecido transformado em brisa naquela tarde e,enchendo-lhe as narinas de uma mistura agre e doce de maresia com flores silvestres ...
Os corpos melados de suor já seco e, a vontade de saciar a fome que agora crescia dentro deles, lembrava-lhe ainda mais a sua condição humana, reforçando por isso a realidade. Todavia aquele envolvente ambiente teimava em desfazer-se. A sintonia era perfeita. Os olhares na mesma direcção do tecto adivinhavam futuros e multiplicavam desejos imaginados. Da proximidade dos corpos emanava um calor de reconforto. Voltaram-se um para o outro e os olhares de distintas cores esbaterem-se .As pupilas dilataram-se, os semblantes iluminavam-se de paz e, os pensamentos num movimento sincrone e descensurado transferiam desejos que tornava difícil estabelecer numa qualquer cronologia. Oferecidos aos despudorados olhares de cada um, os corpos, tentavam as naturezas saciadas, pelo esperado anúncio de mais um impulso que desse vida aquela vontade alojada na mente. Com a disfuncionalidade deste momento apareceu a madrugada. Senti um ar meio frio a lamber-me a cara enquanto a brasa do cigarro se tornava mais rubra com a minha aspiração. Latas do lixo tombavam ao assédio de cães vadios esfomeados. Um burburinho de vozes arrastadas fazia-se ouvir. Um grupo de jovens, soltando risos prolongados e tecendo alguns, para mim, imperceptíveis comentários olhou na minha direcção. No meio deles alguém me questionou: Oh mestre não tem frio aí na varanda? As palavras uma a trás da outra "feriram" o meu estado de evanescência. Deixei de ter o Tejo nos meus olhos. E o horizonte postou-se ali debaixo da minha varanda limitado a Norte e a Sul pelas luzes dormentes dos candeeiros de rua. Na primeira chegada à realidade, um dos vultos que olhava para mim na varanda parecia-me ela. Com a realidade mais presente percebi que não podia ser. Aqueles seres eram adolescentes bêbados, a curtir, que todos os fins-de-semana, em estado ébrio se dirigiam à praça de táxis mais perto para se deslocarem a outro sitio da cidade onde a noite fosse acabar. Não respondi aquela inoportuna pergunta. Voltei as costas e entrei no quarto. A cama estava desfeita e sem ninguém. Deitei-me e alonguei o horizonte para além daquela rua e daquelas vozes para me juntar a ela.


1 comentário:

  1. Tudo é efémero...nada é para sempre... A tua forma de escrever é única, linda, perfeita. As tuas ideias e visão da vida estão estampadas na tua escrita...Omnia vincit amor!
    Adorei!
    Beijo

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