terça-feira, 3 de novembro de 2009

Pro(vocações) de amiga



Olá Querida amiga; … estás sempre a provocar-me. Eu não o mereço. Pedes-me comentários a situações, para ti inaceitáveis, numa tentativa sibilina de me apanhar em contradição quando sabes que, independentemente de eu procurar ter um olhar mais abrangente e tolerante, sobre muitas questões polémicas, não hesito em condenar estas práticas de violência de alguns homens sobre as mulheres.
Podias ter elaborado um questionário. Responder-te-ia com a mesma coerência com que faço o comentário as estas imagens e vídeos, que me envias-te e aos quais recorres para gritares a tua indignação.
Pelo o que entendo da linguagem "subjacente" ás imagens e vídeos que partilhas é muito recorrente a temática da liberdade da mulher. Alguns deles de uma forma poética, como devem ser sempre a linguagens que pretendem ser representativas de tão inalcançável designo, como o é a liberdade … e eu acrescento para ambos os sexos.
A liberdade como a felicidade, de tão relativas, traduzem (momentos) fugazes de harmonia cósmica em nós, que nos brindam em momentos muito particulares da nossa existência, para logo nos desinquietarem na procura de outros idênticos momentos.
 O paradoxo é quando (viver) a liberdade constitui um suplício.
Por isso afirmo que, é sempre preferível viver uma (liberdade relativa) que nos permita sentir e estar no caminho para uma qualquer liberdade.
A outra, a liberdade absoluta é um mistério que flutuará sempre no limbo da mais românticas das aspirações humanas. E ainda bem. Porque se por qualquer sortilégio, um dia, este utópico desígnio se concretizasse, na alma de quem o conseguisse instituir-se-ia o absoluto vazio... porque supostamente, quem alcançasse essa condição, mutilar-se-ia do “sentido” da liberdade como horizonte tão necessário e, sempre determinante, para instituir e manter os compromissos, de que se faz a vida.
Nessa condição, de absoluta liberdade, o homem ou a mulher, impossibilitados de estabelecer compromissos na vida, perderiam o supremo sentido da sua própria existência. Não ligues, querida. Foi uma reflexão, talvez, desviada do contexto
Regressemos pois, ao nosso objecto de reflexão: as imagens violentas que, me enviaste e que, representam um atentado contra a liberdade e a dignidade das mulheres em concreto. É óbvio que têm de ser objecto de crítica. Em particular quando este recurso à violência por parte dos homens toma foros de "normalidade" nas mentalidades contemporâneas.
Sem deixar de ser sempre condenável, qualquer recurso à violência num contexto das relações, suponho que, já em deficit de afectos, é interessante, para abrir esta discussão, não nivelar estas manifestações pelo mesmo diapasão.
Nem toda a agressão, no meu entender, constitui o princípio da sua normal instituição. Não te exaltes. Não estou a dizer nada de indefensável. Um impulso agressivo, não é uma prática sistemática de porrada – não gosto do termo mas é aquele que melhor traduz essa indignação, que é a violência sobre a mulher, mostrada nestes teus vídeos –  e, nem sempre se manifesta da mesma maneira e em condições de ânimos exaltados pelo “desamor” de um pelo outro.Mas sempre condenável. Sem dúvida.
Qualquer acto de violência física (refiro-me em particular a este tipo de violência porque é sem duvida o mais representativo no contexto das relações heterossexuais) é sempre atentatório dos direitos e liberdades das mulheres e, também da sua dignidade. Mas, o que mais nos deve preocupar, é quando um qualquer homem conseguiu "institucionalizar" este comportamento na relação e, a (ainda) sua companheira, tem dificuldades em escapar-lhe.
O bofetão "extemporâneo", sempre condenável, é por vezes num contexto de imaturidade afectiva provocada pela insegurança o modo mais brutal e primário de dizer; não me abandones. Nós os homens, quase todos, temos o Édipo mal resolvido. À imagem da nossa ligação com a mãe, aceitamos que as mulheres nos critiquem, mas é-nos insuportável que elas nos abandonem e nos deixem de proteger. E muitas vezes por cultura machista ou não, o modo como agimos para subverter a nossa fragilidade, não assumida, é a agressividade. E gritamos, ameaçamos, agredimos … Ao que tu me obrigas querida amiga para defender esta perspectiva com alguma coerência. Mas tu conheces-me. Sabes que sou polémico e que este facto nunca me retraiu de defender os meus pontos de vista. Eu sei. Nem sempre é fácil esclarecer algumas das posições complexas que teimo em defender. Mas os seres humanos, pelo menos, como eu os entendo e sinto têm na sua alma muito pouco de maniqueísta. São muito mais paradoxais. Usando uma metáfora para ilustrar a natureza humana, o quero dizer é que, as pessoas são sempre muito mais ao vivo e a cores do que a preto e branco. Não te parece?...continuando a reflexão e para concluir …Penso que todos desejamos viver as relações amorosas muito para além da dimensão humana
E esta é um a”ilusão” que tu sabes que defendo dever fazer parte das nossas vidas. Ainda que, e correndo o risco de ser amargo, humanamente este ideal do "amor transcendente" só se equaciona numa perspectiva da doutrina da fé e só na realizavél (dizem alguns)  comunhão com o transcendente “ amor  é  concebido sem pecado. Mas, defendo eu, nunca numa uma outra qualquer dimensão existencial. Aí raramente os afectos não acompanham o prazer, e infelizmente a posse. E a entrega pressupõe, naturalmente, um compromisso aferível, mas que as partes não conseguem viver, “eternamente sem pecado”.É nesta amálgama, em que se transforma o ser humano quando tem que lidar com a “dor dos afectos” que eu faço incidir o meu olhar. E sem, de imediato, condenar tento perceber a angustia que humanamente se desenvolve quando, o que seja: a vida, a liberdade do outro, nos coloca na outra margem dos, ainda, nossos afectos. Viver o desencontro deste tempo, é penoso.
Não, compreender o impulso, é ser autista à própria condição humana. E essa condição é tudo menos linear e, nenhum tratado de ética, nem nenhuma mentalidade pós-moderna, poderá ter a pretensão da a conter fora das suas incongruências e absurdos.
Quando a inquietação da vida, suspende a imaginação e o sonho, quase sempre no seu lugar, põe a tristeza e um intenso sofrimento  … mesmo que dure apenas o momento em que nos lembrarmos da notícia revelada. Em que encaramos a “realidade”.
Já vai longo este meu comentário. Começo a sentir um dos efeitos da falta de alimento. Por sinal, desculpa o sarcasmo, também muito humano. A fome. Por isso vou alinhavar este final desafiando-te, a manteres este tema como, um mimo com natureza de provocação
Mesmo, com este (meu) forte pressentimento sobre a irredutibilidade da condição humana ao estádio de paz e de perene serenidade, a meu ver, a sua fatalidade genética que, me condiciona o olhar, acredito no sonho e nas utopias, que nascem do esforço e da nossa inquietação interior de querermos ser melhores … e, acrescento, uns para os outros. Na “esperança” de que os paradoxos gerados: guerras, fome, sem abrigo, violência etc., entre outros absurdos, num contexto de desenvolvimento cientifico e tecnológico e, sobretudo das mentalidades, serão de outra ordem.
A mim, dava me jeito que a nova ordem fosse a da festa permanente. A vida seria uma risada total... desculpa a criancice. Aí a serenidade seria a companheira dos espíritos e não existiriam mais les chagrins d’amour.
A festa estaria em tudo e, sobretudo. E, tu já não terias de te preocupar com a tua condição de mulher e, de eventualmente seres agredida por um “amor impulsivo” que não entende a tua condição de indivíduo feminino em liberdade.
Sinto que me crucifiquei com esta abordagem. Mas eu, muitas vezes, sou assim paradoxalmente romântico (...) também no sentido filosófico. 
Fica bem, querida amiga

1 comentário:

  1. Gostei, está de acordo com o teu peefil.São temas que sou sensivel aqueles que abordas e simpatizo com a tua escrita. Parabens

    ResponderEliminar