terça-feira, 13 de janeiro de 2009

2008 zénith em Paris


A última vez que te escrevi foi no Zénith de 2008. Esperemos pois que tudo o que na generalidade queremos que de bom aconteça este ano, nas nossas vidas, se cumpra.

Teremos oportunidade de contar-mos um ao outro como vai acontecendo a vida ao longo deste ano. Estou em Paris. E esta é a mais encantadora urbe que conheço e aquela com a qual estimulo o "namoro". Gosto de me perder pelas grandes boulevards sem fim à vista, ainda que desta vez tivesse encurtado consideravelmente estes passeios por causa do frio.


As temperaturas muito baixas obrigaram a movimentar-me demasiadas vezes via "underground". As investidas a céu aberto saíram-me do corpo. Algumas vezes, suportei (-2) para satisfazer o impulso/vício que é misturar-me com as gentes nas artérias e "adquirir", nesse anonimato, o estatuto de cidadão aliviando o fardo de me sentir, como um turista, estranho à cidade e, que a cidade me olhe com um "voyeur", das suas praças, das suas ruas, das suas gentes


Numa dessas investidas resolvi percorrer a pé quase toda a Boulevard de St Germain vindo do Quai D'Orsay até St Michael. Desejei fotografar à noite os cafés, como Les Deux Magots, o Café Flore, o Café Mabillon, entre outros e acabei enregelado. Neles Boris Vian, André Breton; Sartre, Simone de Bouvoir e outros fizeram germinar, das tertúlias, embriões de movimentos sócio-culturais, como o surrealismo e filosóficos como o existencialismo que marcariam muitas das décadas do século XX e preencheriam muitas das (nossas) existênciais inquietações.


Surpreendi-me pela perda, aos meus olhos, da "inocência" de Paris. Prevejo, com este desabafo, esse teu sarcástico sorriso por esta minha "romântica" afirmação. Eu sei. Nós sabemos o que pretendo traduzir com este meu “sentir”. A diversificação da "fauna" social aumentou consideravelmente. Sobretudo de gentes como: chineses, brasileiros, e muitos negros do Golfo da Guiné e do Senegal. Impensáveis no "meu tempo" porque o Mundo era menos global. Adicionados à urbe estes seres enchem-lhe ainda mais as artérias em horas de expediente e em finais de tarde. A estas horas, Paris, é apenas uma cidade populosa e cosmopolita como tantas outras. Perde muito do seu "glamour" e da sua "coqueterie". Nem o XVIéme, o quartier mais chic e mais caro consegue fazer-me sentir, no ar, o seu perfume e mostrar a sua diferença.


Para estas pessoas, os mais recentes imigrantes, a crise e a sobrevivência ainda mais difícil que a acompanha, espalharam mais e mais desconfiança sobre eles,e revalorizaram de novo os estereótipos combatidos pelo ataque cerrado ao preconceito que nos anos 60 e 70 tiveram lugar nas lutas sociais e políticas que moldaram novas e mais solidárias mentalidades. O medo ganhou mais espaços nesta cidade agora mais policiada. Os olhares sempre atentos cruzam-se e expressam a desconfiança, que não disfarçam, e que como um estigma marca" por todo o lado: nos passeios, nos corredores do Metro, no Metro, nos comboios, pela suposição arrancada, pelo gesto imaginado, hostilizando as diferenças evidentes que a natureza e as culturas “colocaram” nos outros (…)


Quiçá seja este o estado permanente de paranóia que se instalou nesta cidade depois das sublevações em 2003 de uma minoria magrebina acompanhada por outras "minorias" de deserdados do "budget" social que com eles partilham os HLM* e que tal como eles são “literalmente” arrumados em guetos nos arredores.


Os actos de vandalismo instalaram algum pânico entre os defensores desta ordem social e ao menor sintoma de que a crise se vai instalar e o desemprego aumentar, a memória faz por lembrar aqueles recentes tempos, e a distanciação e o medo são os espectros mais perceptíveis da existencial urbanidade das belas e grandes capitais como Paris.


Outros factores explicarão porventura esta atmosfera que eu senti e que "beliscou" o encanto que eu tenho por esta cidade. Em particular porque com este "paranóico estado de alma" instalado nas pessoas, as possibilidades foram diminutas, para me aproximar delas pela "espontaneidade" de um sorriso, pela gentileza de um gesto educado, um excusez-moi, que nos retivesse o olhar e disfarçasse um convite para ficar-mos por ali, deixando que a conversa dissipasse a "estranheza" e nos fizesse mudar de rumo, para nos aproximar, pouco tempo depois com alguma intimidade ganha no momento.


Tudo o resto, em particular, a agenda cultural, ambiciosa, foi quase integralmente cumprinda entre museus e castelos.


Felizmente continuo com muita vontade de voltar, mas obrigatoriamente, no fim da Primavera ou no Verão. O Inverno para um calcorreante como eu, já era.


Beijos e abraços






*Habitações sociais do Estado


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